sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Marina Colasanti


EU SEI, MAS NÃO DEVIA.

Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.





Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.

A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e d
ormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos lev
am na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensa
ndo no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida. 


Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
[Marina Colasanti, 1937]


BIOGRAFIA

Marina Colasanti (Sant'Anna) nasceu em 26 de setembro de 1937 , em Asmara (Eritréia), Etiópia. Viveu sua infância na Africa (Eritréia, Líbia). Depois seguiu para a Itália, onde morou 11 anos. Chegou ao Brasil em 1948, e sua família se radicou no Rio de Janeiro,onde reside desde então. Possui nacionalidade brasileira e naturalidade italiana. 

Entre 1952 e 1956 estudou pintura com Catarina Baratelle; em 1958 já participava de vários salões de artes plásticas, como o III Salão de Arte Moderna. Nos anos seguintes, atuou como colaboradora de periódicos, apresentadora de televisão e roteirista.
 Ingressou no Jornal do Brasil em 1962, como redatora do Caderno B. Desenvolveu as atividades de: cronista, colunista, ilustradora, sub-editora, Secretária de Texto. Foi também editora do Caderno Infantil do mesmo jornal. Participou do Suplemento do Livro com numerosas resenhas. No mesmo período edita o Segundo Tempo, do Jornal dos Sports. Deixou o JB em 1973. Assinou seções nas revistas: Senhor, Fatos & Fotos, Ele e Ela, Fairplay, Claudia e Jóia. 

Em 1976 ingressou na Editora Abril, na revista Nova da qual já era colaboradora, com a função de Editora de Comportamento.
 De fevereiro a julho de 1986 escreveu crônicas para a revista Manchete.Deixa a Editora Abril em 1992, como Editora Especial, após uma breve permanência na revista Claudia, tendo ganho três Prêmios Abril de Jornalismo. De maio de 1991 a abril de 1993 assinou crônicas semanais no Jornal do Brasil. 

De 1975 até 1982 foi redatora na agência publicitária Estrutural, tendo ganho mais de 20 prêmios nesta área.
 Atuou na televisão como entrevistadora de Sexo Indiscreto - TV Rio Entrevistadora de Olho por Olho - TV Tupi. Na televisão foi editora e apresentadora do noticiário Primeira Mão -TV Rio, 1974; apresentadora e redatora do programa cultural Os Mágicos -TVE, 1976; âncora do programa cinematográfico Sábado Forte -TVE, de 1985 a 1988; e âncora do programa patrocinado pelo Instituto Italiano de Cultura, Imagens da Itália- TVE, de 1992 a 1993. 

Em 1968, foi lançado seu primeiro livro, 
Eu Sozinha; desde então, publicou mais de 30 obras, entre literatura infantil e adulta. Seu primeiro livro de poesia, Cada Bicho seu Capricho, saiu em 1992.

Em 1994 ganhou o Prêm
io Jabuti de Poesia, por Rota de Colisão (1993), e o Prêmio Jabuti Infantil ou Juvenil, por Ana Z Aonde Vai Você?. Suas crônicas estão reunidas em vários livros, dentre os quais Eu Sei, mas não Devia (1992) que recebeu outro prêmio Jabuti, além de Rota de Colisão igualmente premiado. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Dentre outros escreveu E por falar em amorContos de amor rasgadosAqui entre nósIntimidade pública, Eu sozinhaZooilógicoA morada do ser, A nova mulher (que vendeu mais de 100.000 exemplares), Mulher daqui pra frenteO leopardo é um animal delicadoGargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul Doze reis e a moça do labirinto de vento. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna com quem teve duas filhas: Fabiana e Alessandra. 

Em suas obras, a autora reflete, a partir de fatos cotidianos, sobre a situação feminina, o amor, a arte, os problemas sociais brasileiros, sempre com aguçada sensibilidade.


OBRAS

Eu sozinha (1968)
Nada na Manga - crônicas (1975)
Zoológico - Contos (1975)
A morada do ser - contos (1978)
Uma idéia toda azul - contos de fadas (1979)
A Nova Mulher - coletânea de artigos (1980)
Mulher Daqui Prá Frente - coletânea de artigos (1981)
Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento - contos de fadas (1982)
A menina Arco-Iris - infantil (1984)
E por falar em amor - ensaio (1984)
O Lobo e o Carneiro no Sonho da Menina - infantil (1985)
Uma Estrada junto ao Rio - infantil (1985)
O Verde Brilha no Poço - infantil (1986)
Contos de Amor Rasgados - contos (1986)
O menino que achou uma estrela - infantil (1988)
Um amigo para sempre - infantil (1988)
Aqui entre nós - coletânea de artigos (1988)
Será que tem asas? - infantil (1989)
Ofélia a ovelha - infantil (1989)
A mão na massa - infantil (1990)
Intimidade pública - coletânea de artigos (1990)
Agosto 91, Estávamos em Moscou (1991)
Entre a espada e a rosa - contos de fadas (1992)
Ana Z, Aonde vai você? - juvenil (1993)
Rota de Colisão - poesia (1993)
Um amor sem palavras - infantil (1995)
O homem que não parava de crescer - juvenil (1995)
De Mulheres sobre tudo - citações (1995)
Eu sei mas não devia - (1997)
Gargantas abertas - poesia (1998)
O Leopardo é um animal delicado - contos (1998)
Um espinho de marfim e outras histórias - antologia de contos de fada (1999)
Esse amor de todos nós - coletânea de textos (2000)



Eu sei que é difícil manter o hábito de ler mais. Mas não devia.
Não há nada como uma boa leitura, ainda mais as que nos levam ao crescimento, à reflexão, à poesia da vida.
Carinho do Cardia

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